Audiência de Custódia: Dez Anos de Garantia à Liberdade e à Dignidade no Processo Penal Brasileiro

Direito Criminal

A audiência de custódia, implementada oficialmente no Brasil em 2015, representa um dos mais relevantes avanços institucionais na proteção dos direitos fundamentais no processo penal contemporâneo. Seu fundamento está alicerçado em compromissos internacionais firmados pelo Brasil, como o Pacto de San José da Costa Rica (Convenção Americana sobre Direitos Humanos, 1969) e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1976), ambos ratificados pelo Estado brasileiro em 1992.

Tais instrumentos internacionais estabelecem o direito de toda pessoa detida ser imediatamente apresentada à autoridade judicial, que avaliará a legalidade da prisão, a necessidade da custódia cautelar e possíveis violações aos direitos humanos, como maus-tratos e tortura.

Desenvolvimento e Regulamentação Nacional

Visando à efetivação desse direito no ordenamento jurídico interno, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) instituiu, em 2015, o projeto da audiência de custódia, inicialmente em parceria com o Tribunal de Justiça de São Paulo e o Ministério da Justiça. O marco regulatório do instituto foi consolidado pela Resolução CNJ nº 213/2015, que estipula a obrigatoriedade de apresentação do preso à autoridade judicial no prazo máximo de 24 horas após a prisão em flagrante.

Em 2019, com a entrada em vigor da Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime), a audiência de custódia foi formalmente inserida no Código de Processo Penal, por meio dos artigos 287 e 310, conferindo-lhe caráter legal e vinculante.

Impactos e Resultados

Segundo dados do Banco Nacional de Medidas Penais e Prisões (BNMP 3.0), mais de 2 milhões de audiências foram realizadas entre 2015 e 2025. A análise estatística revela que em 59% dos casos houve manutenção da prisão, enquanto 41% resultaram em liberdade provisória e 0,3% em prisão domiciliar.

O instituto também se consolidou como importante instrumento de controle da legalidade da prisão e de prevenção à tortura. Os registros do CNJ indicam que cerca de 7% das audiências trouxeram relatos de tortura ou maus-tratos, totalizando aproximadamente 153 mil casos documentados.

Perspectivas e Avanços

Decorridos dez anos desde sua implementação, a audiência de custódia demonstra ser uma ferramenta essencial para a efetivação de garantias constitucionais, como o devido processo legal, a ampla defesa e a dignidade da pessoa humana (art. 5º, CF/88). Sua institucionalização favorece uma abordagem mais humanizada e criteriosa na análise das prisões em flagrante, mitigando o encarceramento provisório desnecessário.

Para celebrar essa década de vigência, o CNJ anunciou o lançamento de um novo painel do BNMP 3.0, que incluirá dados inéditos sobre o perfil dos autuados e das decisões judiciais. Além disso, será promovido um evento com orientações técnicas destinadas à capacitação de magistrados, focando na padronização de boas práticas e na qualificação da análise judicial nas audiências.

Considerações Finais

A audiência de custódia transformou o paradigma da atuação jurisdicional penal no Brasil, tornando-se um dos pilares da proteção da liberdade individual no estágio inicial do processo. Sua continuidade e aperfeiçoamento dependem do engajamento de todos os atores do sistema de justiça — magistratura, Ministério Público, advocacia e Defensoria Pública — na consolidação de um modelo que garanta não apenas a legalidade, mas também a humanidade na persecução penal.

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