Entenda por que a concessão de aposentadorias rurais tem disparado no Brasil, mesmo com a lentidão na implementação do Cadastro Nacional de Trabalhadores Rurais e a persistência da autodeclaração.
Introdução
As concessões de aposentadorias rurais no Brasil estão em alta, saltando de 294.847 em 2019 para 412.776 em 2024. Esse aumento expressivo ocorre mesmo após a Reforma da Previdência de 2019, que exigiu a criação de um cadastro nacional para comprovar a atividade no campo e coibir fraudes. Quase seis anos após a aprovação da regra, o governo avança a passos lentos na implementação desse cadastro, permitindo que a maioria dos benefícios continue sendo concedida com base em autodeclaração e documentos.
Essa situação tem gerado preocupações fiscais e levantado questionamentos sobre a efetividade dos controles. Vamos detalhar os números e analisar o que especialistas dizem sobre essa “brecha” para irregularidades.
O Cadastro que Não Atingiu a Meta
A Reforma da Previdência determinou que o trabalhador rural, classificado como “segurado especial”, só teria acesso à aposentadoria se estivesse inscrito no Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS). A regra previa que, quando o CNIS atingisse 50% de cobertura desses trabalhadores, a autodeclaração seria substituída pela consulta ao cadastro.
No entanto, o Ministério da Previdência informou que não é possível saber quantos trabalhadores rurais estão inscritos no CNIS, apenas que o cadastro está em processo de implementação. Com a meta de cobertura não atingida, as aposentadorias continuam a ser concedidas com base na autodeclaração do segurado e na checagem de documentos, um processo que especialistas apontam como vulnerável a fraudes.
A responsabilidade pela implementação do cadastro é da Dataprev, estatal de processamento de dados do INSS. Segundo o Ministério da Previdência, o processo é complexo e exige a resolução de questões técnicas e conceituais para garantir a fidelidade das informações.
A Disparada dos Benefícios Rurais
O aumento nas concessões de benefícios rurais contrasta com a queda da população rural e o encolhimento do emprego no setor agropecuário. O especialista Rogério Nagamine aponta que a concessão de benefícios rurais em geral subiu 53,43% entre 2019 e 2024, alcançando 1,190 milhão.
No mesmo período, as aposentadorias rurais isoladamente subiram para 412.776 em 2024, representando 31,6% do total de concessões. Em contraste, as aposentadorias de trabalhadores urbanos caíram de 1,1 milhão para 892.584. Essa “explosão”, segundo Nagamine, “acende um alerta sobre a qualidade dos cadastros, a efetividade dos controles e o risco fiscal embutido em cada aposentadoria irregular”.
É importante notar que a categoria de segurados especiais ficou de fora das regras de idade mínima da Reforma da Previdência, podendo se aposentar mais cedo (55 anos para mulheres e 60 para homens).
Brechas para Fraudes e o Rombo Silencioso
Especialistas apontam que a sistemática de autodeclaração abre portas para irregularidades. Antes de 2019, sindicatos rurais podiam emitir declarações que geravam benefícios para quem nunca trabalhou no campo. Embora essa prática tenha sido coibida por uma medida provisória, a persistência da autodeclaração como principal forma de comprovação da atividade rural mantém a vulnerabilidade do sistema.
Além disso, o mecanismo do Atestmed, que concede auxílio-doença com base em atestados médicos digitais, e decisões judiciais que extrapolam os limites legais também são apontados como causas de concessões irregulares. O especialista Paulo Tafner, do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS), critica a leniência do governo e a interferência do Judiciário, que em sua visão, tem extrapolado seus poderes.
Em 2024, os gastos com benefícios rurais atingiram R$ 196,9 bilhões, representando um aumento de 6% em relação ao ano anterior. Esse volume consome uma parcela significativa do orçamento federal, levantando sérias preocupações fiscais para o país.
O Cenário Demográfico e o Risco Fiscal
A projeção é que o pico de aposentadorias no Brasil ocorra entre 2030 e 2040, período em que a redução do número de trabalhadores em idade ativa irá gerar uma pressão ainda maior sobre o orçamento. A falta de um cadastro robusto e a continuidade da autodeclaração em um cenário de envelhecimento populacional e queda na população rural podem agravar o risco fiscal.
O governo tem falado sobre “pente-fino” nos benefícios, mas, segundo Tafner, ainda não conseguiu estabelecer procedimentos rígidos para a concessão. A questão do cadastro dos trabalhadores rurais se torna, portanto, um ponto crucial para a sustentabilidade da Previdência Social no longo prazo.
A ausência de um cadastro eficiente e o consequente uso da autodeclaração geram um debate importante sobre a necessidade de fiscalização e a proteção dos recursos da Previdência. Você acredita que a implementação desse cadastro é essencial para a saúde financeira do país?