O Direito de Greve dos Trabalhadores de Aplicativo: Liberdade Sindical em Tempos de Precarização Algorítmica

Direito Trabalhista

Nos dias 31 de março e 1º de abril de 2025, entregadores de plataformas digitais paralisaram suas atividades em diversas cidades brasileiras. O movimento, marcado pela denúncia da precarização das condições de trabalho, reacendeu um debate jurídico de relevância crescente: o reconhecimento da liberdade sindical e do direito de greve para trabalhadores que não se enquadram nas formas tradicionais de vínculo empregatício.

Entre as principais pautas da mobilização estão o reajuste das tarifas mínimas de entrega, o fim dos bloqueios unilaterais pelas plataformas e o acesso a garantias básicas de proteção social. Tais demandas não representam privilégios, mas sim o cumprimento de um patamar civilizatório mínimo que deveria ser assegurado a todos os que vivem do próprio trabalho.

Autonomia Contratual vs. Subordinação Algorítmica

No plano jurídico-formal, os entregadores são contratados como autônomos. Contudo, a estrutura das plataformas digitais desafia essa classificação, uma vez que a liberdade contratual desses trabalhadores é severamente limitada. A autonomia se restringe, na prática, à escolha dos horários de conexão, enquanto todas as demais condições laborais — tais como definição de rotas, preços, avaliação de desempenho e penalidades — são impostas unilateralmente por algoritmos e sistemas automatizados.

Essa forma de gerenciamento escapa à regulação tradicional do Direito do Trabalho, mas não afasta, por si só, a incidência de direitos fundamentais. O modelo revela-se incompatível com a retórica do empreendedorismo, demonstrando traços evidentes de subordinação estrutural e tecnológica.

O Direito de Greve na Constituição e no Sistema Internacional

O art. 9º da Constituição Federal de 1988 assegura aos trabalhadores o direito de greve, sem restringir sua aplicação àqueles com vínculo empregatício formal. A redação constitucional optou por usar o termo “trabalhadores”, o que indica uma abrangência maior, acolhendo também formas de trabalho não convencionais.

No plano internacional, a Convenção nº 87 da OIT, da qual o Brasil é signatário, garante a liberdade sindical a todos os trabalhadores, independentemente de sua condição contratual. A própria OIT, em pronunciamentos recentes, tem reforçado que os direitos coletivos de trabalhadores de plataformas são extensíveis a esses profissionais, em razão da função protetiva universal que tais direitos desempenham.

Assim, o exercício da greve por parte dos entregadores de aplicativo deve ser compreendido como legítima manifestação de direito fundamental, e não como afronta à legalidade.

A Greve como Expressão da Identidade Coletiva

A mobilização dos entregadores remonta à paralisação nacional de julho de 2020, conhecida como “Breque dos Apps”, que ganhou destaque em plena pandemia. Tais movimentos revelam a formação de novas identidades coletivas e estratégias de solidariedade organizativa mesmo em contextos marcados pela fragmentação e individualização do trabalho.

Segundo o jurista uruguaio Ermida Uriarte, a liberdade sindical é condição prévia para a efetivação de todos os demais direitos sociais. Para ele, trata-se de um “direito a ter direitos”, pois apenas por meio da organização coletiva é possível exigir condições laborais dignas.

Invisibilização Social e Direito à Existência

O fenômeno da greve no setor de entregas digitais denuncia duas fomes: a fome literal, fruto da remuneração insuficiente, e a fome de direitos, provocada pela ausência de proteção jurídica mínima. Ao romper o silêncio e a invisibilidade a que são submetidos, esses trabalhadores recolocam no debate público a urgência da justiça social no contexto da economia de plataforma.

A resistência institucional em reconhecer a legitimidade da greve desses profissionais, ancorada exclusivamente na forma jurídica do vínculo, revela-se anacrônica diante das transformações nas relações laborais.

Considerações Finais

É necessário reafirmar o compromisso do Direito com a proteção do trabalho em todas as suas expressões. O reconhecimento da greve como instrumento legítimo de reivindicação dos entregadores de aplicativo representa não apenas um avanço normativo, mas uma resposta democrática diante da precarização do trabalho mediado por tecnologia.

É grave quando é greve, porque a paralisação revela a ruptura do pacto social que deveria garantir dignidade a quem trabalha. Em tempos de naturalização da fome, a luta por direitos mínimos é um grito pela própria existência. Que o Direito não se furte a escutá-lo.

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